quarta-feira , 17 dezembro 2025
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O dom esquecido do discernimento

Quando a mente se fecha, o outro deixa de ser visto como um ser humano complexo e passa a ser reduzido a rótulos, categorias e julgamentos simplistas.

A mente da pessoa comum costuma ser habitada por generalizações rígidas, por “verdades” consideradas imutáveis e por crenças hermeticamente fechadas ao diálogo, à investigação e à revisão.

São conclusões tomadas cedo demais, repetidas muitas vezes e raramente examinadas com honestidade intelectual.

Nesse tipo de pensar reside um perigo silencioso. Em sua expressão mais ampla, ele se torna a raiz da violência humana, não apenas a violência física, mas também a violência psicológica, moral e simbólica.

Quando a mente se fecha, o outro deixa de ser visto como um ser humano complexo e passa a ser reduzido a rótulos, categorias e julgamentos simplistas.

Essas generalizações se infiltram em todos os domínios da vida: religião, comportamento, vestimentas, política, relacionamentos, estilos de vida, ideias do que é certo ou errado e, como consequência, cria-se um mundo dividido entre “nós” e “eles”, entre o aceitável e o condenável, entre o que merece respeito e o que deve ser combatido.

Viver assim é, em si, uma forma de miséria existencial. É uma vida que contradiz a própria natureza da evolução humana e desperdiça um dos maiores dons que nos foram concedidos: o intelecto.

Esse intelecto, buddhiḥ, como ensina o Vedānta, é um dos raros diferenciais entre o ser humano e os demais seres vivos. Ele é a base da capacidade de discernir, refletir, aprender, comunicar, criar, rever posições e expandir a nossa compreensão da realidade.

É por meio desse extraordinário instrumento que o ser humano transcende o instinto bruto e se torna capaz de ética, empatia, visão de mundo e responsabilidade. Então, quando esse dom é ignorado ou deliberadamente abandonado, o indivíduo regride, ele se aprisiona numa masmorra de mesmice, ignorância e limitação, acreditando estar seguro, quando na verdade está espiritualmente e intelectualmente estagnado.

Portanto, abdicar do uso consciente do intelecto é uma afronta à própria existência. É um ato de ingratidão diante da vida e diante de Deus. É desperdiçar a oportunidade rara de crescimento, de maturidade e de autoconhecimento que a condição humana oferece.

Além disso, é crucial entender que a verdadeira espiritualidade não exige mentes fechadas, mas corações sensíveis e intelectos vivos. Ela não floresce na rigidez, mas na abertura. Ela não se expande na repetição cega, mas na investigação sincera. Ela não se manifesta na exclusão do outro, mas na ampliação da tolerância e da compreensão.

Desta maneira, num mundo cada vez mais polarizado e segregador, é imperativo lembrar que expandir a mente, refinar o discernimento e questionar as próprias certezas não enfraquece o ser humano, ao contrário, o humaniza, o expande e o integra.

Pune, 16 de dezembro de 2025.

Photo by Stefano Bucciarelli on Unsplash

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